sexta-feira, 23 de maio de 2008

Manelito...

Não é para comparar, até porque estas coisas nem se comparam. Descobri a poesia de Manuel Alegre quando tive de o leccionar em Português 10º ano (nos anos bons...). Politiquices à parte, porque temos de saber separar as águas, é um grande poeta. E nos dias que correm, não nos fazia mal ouvir os seus gritos de incentivo a uma insurreição. Porque se algo está podre no Reino da Dinamarca, cabe-nos a nós, às nossas mãos, fazer alguma coisa. Basta de culpar os Governos (de esquerda ou de direita ou híbridos), porque no fim de contas, o Governo somos nós! Inspirem-se nestas palavras e arregacem as mangas!
Mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no futuro e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Ser ou não ser
Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marcas
e os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.
Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.
Até quando? Até quando?
Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.
Há que roubar à dor as próprias armas e com elas vencer estes fantasmas que nos atormentam. Ou será que nada está podre no Reino da Dinamarca?

3 comentários:

Rony disse...

Como antiga estudante de Coimbra, cada vez que se fala do Manuel Alegre, ouço na minha cabeça os acordes desta canção...

"Trova Do Vento Que Passa"
Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.
O vento nada me diz.

La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la, [refrão]
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la. [bis]

Pergunto aos rios que levam
Tanto sonho à flor das águas
E os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
Ai rios do meu país
Minha pátria à flor das águas
Para onde vais? ninguém diz.

[se o verde trevo desfolhas
Pede notícias e diz
Ao trevo de quatro folhas
Que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
Por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
Quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
Direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
Vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
Ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
Nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
Dos rios que vão pró mar
Como quem ama a viagem
Mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
Vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
E fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
Nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
Só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
À beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
Se notícias vou pedindo
Nas mãos vazias do povo
Vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
Dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
E o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
Liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
Aqueles pra quem eu escrevo.]

Mas há sempre uma candeia
Dentro da própria desgraça
Há sempre alguém que semeia
Canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
Em tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

Ianita disse...

Gostei especialmente da parte do la-ra-lai! O poema é lindíssimo e a música, do António Portugal, é cantada pelo Adriano Correia de Oliveira e é fantástica! A verdade é que o melhor de nós (portugueses) vem ao de cima nas piores alturas da nossa história. Nunca a literatura esteve tão em altas como nos tempos de ditadura. Tenho pena.

Rony disse...

Não é só com Portugal que isso acontece, as pessoas revelam-se (para o bem e para o mal) e superam-se com as dificuldades, os perigos, as emoções intensas...